Antonádia Borges
Ao promover a contínua superação do conhecimento existente, a boa etnografia tem a propriedade única de expandir a teoria antropológica. Tempo de Brasília, de Antonádia Borges, é exemplar no afrouxamento de amarras conceituais dominantes e na ampliação do horizonte de estudos das chamadas periferias urbanas. Evitando termos exógenos ao ambiente da pesquisa, o livro focaliza categoriais centrais na vida dos moradores de uma cidade-satélite da capital da República. A invasão, o barraco, o lote e o asfalto, todos objetos pressupostos na noção local “tempo de Brasília”, servem de guia para uma etnografia rara sobre a relação cotidiana sui generis entre os habitantes e o Estado. O Estado aparece aqui não como epifenômeno de algo mais real, mas, em ação, no dia-a-dia da vida das pessoas.
Fruto de um arranjo finalmente equilibrado entre as premissas da ciência social clássica e os desafios empíricos da pesquisa, o livro fundamenta-se – sem se deixar enrijecer – na convergência da antropologia de Durkheim com o modelo lógico triádico de Peirce, resultando em uma monografia despretenciosamente sofisticada. Tempo de Brasília é uma novidade surpreendente no contexto da antropologia no Brasil. Mariza Peirano