O Povo em Armas
Jorge Mattar Villela

Este livro encara de frente duas grandes questões que já há alguns anos se tornaram presença quase obrigatória em qualquer trabalho que pretenda fazer parte da antropologia social ou cultural: a história e a política. O Povo em Armas situa-se na confluência da história e da política, e ambas se aproximam devido ao tratamento antropológico que recebem: a política sendo tratada do “ponto de vista nativo”, os documentos históricos sendo analisados a partir da experiência de nove meses de trabalho de campo. Além disso, contudo, outro elemento catalisador é também mobilizado, a saber, a filosofia ou, mais precisamente, uma certa filosofia, aquela que, grosso modo, está associada aos nomes de Michel Foucault, Gilles Deleuze e Félix Guattari (entre outros). Antropologia, história, política, filosofia… este livro comporta, sem dúvida, uma dimensão interdisciplinar. Mas essa interdisciplinaridade não é certamente aquela denunciada há muito tempo por Roland Barthes e que consistiria na falsa ideia de que disciplinas já bem constituídas deveriam ser convocadas para dar conta de objetos igualmente preexistentes cuja suposta complexidade exigiria uma colaboração multidisciplinar. Ao contrário, como sugeria Barthes, se a noção de interdisciplinaridade faz algum sentido é apenas na medida em que serve, por outro lado, para desestabilizar as disciplinas constituídas e, por outro, para fazer emergir novos objetos. O Povo em Armas é justamente um desses objetos: não simplesmente uma enorme quantidade de gente armada perambulando pelo sertão na ausência do controle estatal. Mas o fato de que o número significativo de homens relativamente bem armados obedeceu durante muito tempo ao comando de alguns poucos sem que nenhuma revolta significativa tenha ocorrido. Que mecanismos de poder, que operações políticas podem ter produzido e sustentado uma tal situação? E basta pensar um pouco sobre o que acontece hoje nas grandes cidades brasileiras para nos darmos conta de que esse fato algo misterioso interpela cada um de nós, e sublinha a artificialidade de todos os recortes de tempo e lugar.

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